9 de julho de 2022
Ameaçado pelo desmatamento que avança com o crescimento imobiliário, o igarapé Água Branca, no Tarumã, é um exemplo de que é possível salvar o último reduto de água limpa da capital amazonense
Nely Pedroso
Equipe BN

Manaus (AM) - Dá para imaginar um igarapé limpo, de água cristalina, sem poluição e onde se respira ar puro a apenas 20 minutos ou a uma distância de 18 quilômetros do centro da cidade. Não, né? Mas ele existe e se chama Igarapé Água Branca, localizado no finalzinho da rua Caravelle, bairro Tarumã, zona Oeste da cidade.
O Água Branca, pelas suas características atuais, pode ser definido hoje como o último igarapé urbano, limpo e vivo dentro da cidade de Manaus. É também o único igarapé, que segundo medição da água e vazão dentro da microbacia do igarapé, realizado pelo Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), produz por ano, 4 bilhões litros de água limpa, rica em oxigênio e nutrientes que são lançados na bacia hidrográfica do rio Tarumã-Açu, um dos afluentes do rio Negro, que banha a capital.
Localizado na Área de Proteção Ambiental (APA) Tarumã, o igarapé, com nascente na reserva permanente do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, atravessa a avenida do Turismo por uma galeria subterrânea, passa por trás do Condomínio Mediterrâneo e segue seu curso em toda sua extensão até desembocar na Cachoeira Alta do Tarumã.
Há mais de 20 anos, esse igarapé vem sendo defendido ferrenhamente pelo jornalista e morador da área, Jó Fernandes Farah, desde que se mudou para a área onde reside e cria seus filhos em contato com a natureza.
O jornalista se transformou em um grande “guardião” do igarapé, chegando a fundar a ONG Mata Viva, através da qual congrega amigos, ambientalistas, pesquisadores e voluntários na luta pela preservação do Água Branca, classificado por ele como o "último igarapé de água limpa preservado em área urbana de Manaus".
Para quem duvida dessa afirmativa ele diz logo: "Se houver outro igarapé limpo em Manaus, então mostre". Para provar o que diz, Jó Farah cita alguns igarapés de Manaus que jogam água “podre” no igarapé Tarumã: o igarapé do Gigante, próximo ao Tropical Hotel; o igarapé da Cachoeira Alta; o do Tarumãzinho, da Cachoeira Baixa do Tarumã, junção dos igarapés da Bolívia com o Matrinxã e vários outros.
Belezas naturais - Ao visitar o local, a equipe do boasnotíciasam.com, conheceu o igarapé que margeia a sua residência e sede da ONG. Além da água gelada do igarapé e das várias fontes da área que escorrem água cristalina, há uma flora rica e uma mata primária abundante de onde surgem os macaquinhos Sauim de Coleira, em processo de extinção, a brindar os visitantes pulando de galho em galho em busca de alimentação, além de borboletas que também dão às caras em voos tranquilos pelo seu habitat.
A correnteza do igarapé é forte, mas a água é límpida. Uma das fontes de água cristalina abastecem duas piscinas naturais, onde são criadas algumas espécies de peixes, como tucunarés, carás, cardumes de peixinhos cardinais recolhidos do rio Negro, e outras espécies menores, que sobrevivem de alimentação de frutos caídos das árvores e de outros elementos vivos (como limos, algas) que se formam e se movem debaixo d’água.
O igarapé Água Branca é o orgulho e ao mesmo tempo o grande desafio do jornalista pela sua preservação. Ele conhece cada palmo da área no qual mora, preserva o ambiente com o plantio e replantio de árvores frutíferas e outras espécies da mata primária nas margens do igarapé – mais de duas mil árvores já foram plantadas entre elas pés de buriti, açaí, bacaba e variadas espécies que também servem de alimentação para os animais que vivem na área ainda preservada.
Jó Farah também mantém a página do Igarapé Água Branca nas redes sociais, através do qual exercita seu faro de repórter e divide com todos os seguidores o trabalho que realiza em prol da manutenção do igarapé vivo e sem poluição.
Por meio das redes sociais, ele mobiliza moradores, ambientalistas, voluntários e seguidores a cada ameaça a esse cinturão verde, que é um dos últimos nessa área de Manaus, e onde o monitoramento é feito 24 horas.
O jornalista faz questão de defender e compartilhar todo esse potencial hídrico do Água Branca e por isso também passou a dividir esse conhecimento sobre a flora e a fauna dessa floresta primária com visitantes e alunos da rede municipal de Manaus.
Visitação - Sim, igarapé Água Branca recebe visitantes, em grupos de até 20 pessoas e representantes de instituições, alunos de escolas municipais (alguns dos quais nunca viram um igarapé sem poluição em Manaus), amigos e
parceiros na empreitada e de luta pela preservação do igarapé.
A abertura de visitação para os estudantes é um projeto sonhado por Jó Farah e que foi possível por meio de parceria realizada com os professores de Geologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) – projeto de extensão do curso.
As visitas dos estudantes das escolas são agendadas e os professores levam os alunos para conhecerem o igarapé Água Branca, fazem trilha de uns 300 metros para conhecer todo o entorno, recebem explicações de como se forma um igarapé, o tipo de terra, a margem irregular escavada (que é um processo natural de todo igarapé) e o formato de suas curvas sinuosas.
“Todos os igarapés têm curvas sinuosas, porque se for reto, quando a água vem, com sua força leva tudo que está pela frente. Então os igarapés vão ter sempre essa característica. Se for reto, vai alargar, assorear e ficar cada vez mais raso. As curvas é que vão fazer com que eles se mantenham com esse nível de água limpa, assim ela oxigena mais a água que está na curva”, reproduz Jó, de forma didática, o conhecimento que é repassado pelos professores aos estudantes.

O jornalista e presidente da ONG Mata Viva ressalta a importância desse trabalho, numa época em que Manaus, infelizmente, cria uma geração futura de pessoas que nunca viram um igarapé limpo, tendo em vista que todos os demais igarapés da cidade sucumbiram à expansão e pressão imobiliária, uma ameaça constante na área.
Os alunos que têm a oportunidade de visitar o igarapé Água Branca, além de se divertirem em um banho de igarapé e todo o conhecimento adquirido, saem de lá com uma muda de planta originária para chamar de “sua” e levar para casa. “No final das atividades, didático-recreativas, eles plantam a sua muda coletada na floresta. É uma muda georreferenciada, ou seja, o estudante vira dono dessa muda que plantou. Ela passa ter um valor e se transforma em uma NFT”, explica o jornalista. “É uma imagem que pertence a ele e que pode comercializar, vende ou arranjar um patrocinador para essa imagem”, garante.
Para entender melhor, o NFT é uma sigla usada para tokens não fungíveis, que significa ser um símbolo único, insubstituível. Portanto, esse símbolo, no caso da muda, passa a ser propriedade da pessoa que a plantou.
O início - Jó Farah conta que chegou na área em 1996, como todo manauense que chega nas margens dos igarapés, destruindo, desmatando, abrindo caminho para fazer sua casa. Depois dessa primeira fase, percebeu que perto do igarapé não era correto fazer sua moradia e que tinha desmatado demais. Então construiu a casa mais no alto e foi quando percebeu que podia fazer algo mais para manter o igarapé longe da poluição. Tratou de plantar árvores que tinha tirado para fazer a estrada para chegar em casa.
“Estou há mais de 20 anos nessa missão e ainda não consegui plantar o número de árvores suficiente nem 10% para deixar como era antes. Agora meu trabalho é fazer a coleta de espécies das margens, frutas, sementes e fazer as próprias mudas para o replantio nos igarapés do Mindu, Gigante, entre outros. Manaus tem jeito, basta o Poder Público tomar consciência de que nós estamos acabando com o nosso manancial de água doce”, afirma.
Segundo Jó, no local existem árvores até então desconhecidas, mas resistentes, originárias das margens dos igarapés e que eram possivelmente encontradas nos igarapés do Mindu, do Educandos, da Cachoeirinha, do São Raimundo, enfim árvores típicas das margens dos igarapés amazônicos e que hoje não existem mais.
O jornalista parte do princípio de que se elas estão no Água Branca, existe ali, um enorme celeiro de mudas necessárias para fazer todo um trabalho de revitalização desses igarapés de Manaus que estão mortos pela poluição.
“Então, por que eu ter aqui só açaí, só buriti e bacaba que também são árvores nativas? A gente precisa ter uma variedade, essa diversidade de flora”, diz ele, ao mostrar um filhotinho de uma árvore crescida, mas que não podia tirar para replantar porque provavelmente era filha de ‘mãe solteira’. “Essa árvore abraça a margem do igarapé com suas raízes. Pode vir correnteza que vier que elas seguram. Não deixam o solo ser carregado pela enxurrada. Essa é a estratégia. Plantar esses tipos de árvores nas margens dos igarapés que estão atropizados, que estão mortos pela poluição”, assegura. As próprias samambaias antigas nas margens do igarapé, segundo ele, estão ali como protetoras das pontas do barranco, ajudando a conter erosões.
ONG Mata Viva - O trabalho na área vem sendo conduzido pela ONG Mata Viva, que se dedica à defesa do bioma amazônico, voltada para monitorar e defender o Igarapé Água Branca, o último igarapé urbano vivo de Manaus.
Sem fins lucrativos, a Organização Não Governamental, passa por um processo de reformulação da diretoria e do estatuto, conforme revela o presidente, Jó Farah.
Quem quiser ajudar, por enquanto, basta seguir a página no Facebook e Instagram participando por meio de comentários, sugestões e denúncias. “Já é uma grande ajuda”, afirma.
A página, conta a história de vida do Igarapé. “Quem constrói a pauta não somos nós. A pauta é construída por quem chega perto do igarapé. Se for para fazer o bem é mocinho, mas quem chega para destruir vira vilão nessa história contada online para mais de 5 mil seguidores”, ressalta.
Fotos e Imagens: Equipe BN – Dora Paula/Nely Pedroso/Mayane Batista